No dia 7 de julho de 1990, o Brasil se despedia de seu "poeta do rock". O carioca Agenor de Miranda Araújo Neto, o Cazuza, vocalista e ex-líder da banda Barão Vermelho, tornara-se um dos principais nomes da música brasileira nos anos 80, com seu canto meio falado e canções de letras contundentes. Após várias internações e uma longa batalha contra a Aids, aos 32 anos de idade, enquanto dormia, Cazuza teve o desfecho comum aos que eram diagnosticados com a doença há poucas décadas. Nos últimos dias de vida, seu quadro se agravou por causa de um edema pulmonar. Pouco antes, conforme registro do GLOBO, pediu milk shake de creme e fumou um cigarro, apesar das restrições médicas.
Naquele sábado, contudo, em vez de choro, o sepultamento do ídolo rebelde foi acompanhado por músicas e aplausos. Cerca de 500 fãs, entre eles muitos amigos e companheiros de profissão, compareceram ao Cemitério São João Batista, na Zona Sul do Rio, para homenagear o compositor. No lugar do silêncio do luto, trechos de "Pro dia nascer feliz", "Ideologia" e outros clássicos ganharam vida na voz dos presentes. À noite, um show do Legião Urbana dedicado ao poeta reuniu mais de 40 mil pessoas e foi tomado por faixas de adeus.
Filho único de Lucinha e João Araújo, batizado com o nome do avô, Cazuza nasceu em 4 de abril de 1958 e foi criado em Ipanema, na Zona Sul, onde morreu no apartamento dos seus pais. Frequentador do Baixo Leblon, ficou conhecido na região pelo alto astral. Influenciado por nomes como Jimi Hendrix, Rolling Stones e Led Zeppelin, decidiu seguir a cerreira artística para o desgosto do pai (falecido em 2013), então produtor de discos e diretor da Som Livre. Foi por meio da banda de rock Barão Vermelho, formada em 1981 com Roberto Frejat, Maurício Barros, Guto Goffi e Dé, que versos como os de "Bete Balanço" e "Todo amor que houver nessa vida" ganharam o país. Em 1985, o grupo se apresentou na primeira edição do Rock in Rio, venceu o desafio de cativar o público metaleiro predominante no show e ficou marcado na história do festival, ocorrido no fim da ditadura.
Em julho de 1985, Cazuza deixou o Barão Vermelho e iniciou sua carreira solo. Sob maior influência da MPB, em novembro daquele ano, enfim, lançou o primeiro LP, marco da estreia de sua nova fase. Em "Exagerado", gravou "Codinome beija-flor", "Só as mães são felizes", que teve a execução pública proibida pela censura, além da faixa homônima composta em parceria com Leoni, do Kid Abelha, e Ezequiel Neves, que já tocava nas rádios. Dois anos depois, lançou "Só se for a dois", embalado por "O nosso amor a gente inventa (estória romântica)".
Cazuza não teve receio de cantar os versos "eu vi a cara da morte e ela estava viva", quando descobriu que era soropositivo em maio de 1987. Pouco depois, iniciou uma grande turnê nacional e, em 1988, gravou "Ideologia", que chegou a vender meio milhão de cópias e representou sua consagração como artista. Além da faixa título, "Faz parte do meu show" e "Brasil", a última regravada por Gal Costa, formavam o LP. Do show-espetáculo dirigido por Ney Matogrosso, surgiu "O tempo não para". Entre fevereiro e junho de 1989, já preso à cadeira de rodas, gravou o disco duplo "Burguesia", misto de rock e MPB.
Ao assumir publicamente a Aids em uma rede de televisão, foi responsável por ajudar a colocar em discussão no país os meios de prevenção de uma doença estigmatizada. Reportagem do GLOBO publicada uma semana após a morte do compositor revelava o aumento da procura por testes no Rio de Janeiro, o que reacendeu a discussão sobre discriminação e estigma dos portadores do HIV. Após sua morte, diversas composições de Cazuza foram regravadas. Em 2004, sua história foi recontada no filme "Cazuza - O tempo não para", dirigido por Sandra Werneck e Walter Carvalho e inspirado na biografia "Só as mães são felizes", escrita por sua mãe. No cinema, o poeta rebelde foi interpretado por Daniel de Oliveira e Lucinha Araújo pela atriz Marieta Severo.
* estagiário sob a supervisão do editor Gustavo Villela